Quarentinha craque dos anos 50 e 60 do Botafogo era natural de Belém, cidade que recebe a Final da Supercopa do Brasil 2025


O Botafogo já está em Belém, onde vai enfrentar o Flamengo neste domingo, pela decisão da Supercopa Rei, às 16h00. No Mangueirão, uma nova geração de ídolos - marcada pelas conquistas do Campeonato Brasileiro e da Conmebol Libertadores - vai em busca da primeira taça nacional em 2025. Mas a relação entre o Alvinegro e a capital do Pará passa longe de ser recente ou inédita. Foi nesta mesma Belém que, há 92 anos, nasceu o maior artilheiro da história do clube: Quarentinha.


O GE visitou alguns pontos da cidade para ajudar a contar a história do goleador de personalidade séria, que viveu infância humilde e cultivou o amor pelo Botafogo até os últimos dias.


— Em qualquer clube, todo maior artilheiro é mais valorizado do que o Quarentinha é no Botafogo. Ele conviveu na época com outros grandes ídolos, mais midiáticos que ele. Era contemporâneo do Garrincha, a estrela da companhia. Tinham a mesma idade, eram muito amigos — conta Rafael Casé, autor de "O artilheiro que não sorria: Quarentinha, o maior goleador da história do Botafogo", acrescentando:


— Ao mesmo tempo que o Garrincha era expansivo, aparecia muito, muito lúdico, o Quarentinha era meio que um operário. Não fazia uma grande festa quando fazia os gols, muitas vezes nem comemorava. Acho que isso talvez influencie no imaginário que foi criado em cima dele.


Quarenta, ídolo do Paysandu, e seu filho Quarentinha, ídolo do Botafogo — Foto: Divulgação


O início de tudo

Waldir Cardoso Lebrego, o Quarentinha, nasceu em 15 de setembro de 1933 - quando Belém fervilhava com o período áureo do Ciclo da Borracha, aproveitando a localização do porto às margens do rio Guamá.


Filho do caribenho Luís Gonzaga "Quarenta" Lebrego, ídolo do Paysandu, Quarentinha conviveu desde cedo com uma família extensa e vários irmãos. Sua mãe, Myrthes, faleceu aos 24 anos, o que gerou não só um desmanche na família como também um trauma no ídolo alvinegro - ele passou a evitar velórios, abrindo exceções apenas para os enterros do pai de Garrincha e de João Saldanha.


A morte da mãe e a fama de mulherengo do pai - que precisou de pouco tempo para se casar novamente - fizeram com que Quarentinha vivesse uma infância distanciado de Quarenta. O ídolo alvinegro foi criado na casa dos avós maternos, Antônio e Alcênia.


Quem deu as cartas em sua educação foi mesmo o tio José, outro morador do número 1.118 na Travessa Curuzu. A casa ficava a alguns quarteirões dos estádios do Paysandu e do Remo, o que só intensificou a aproximação de Quarentinha com o esporte.


— Como o pai era jogador de futebol, (e havia) a proximidade com os dois times principais de Belém, Quarentinha fugia a toda hora para jogar pelada no campo atrás do Remo. Mas eles eram muito pobres. Ele tinha duas roupas. Uma usava em um dia, enquanto a outra estava lavando, e ia alternando - conta Rafael.


Como o terreno do tio tinha muita árvores frutíferas, Quarentinha pegava os frutos, principalmente mangas, na tentativa de vendê-los e ampliar a renda da família. Belém, afinal, é chamada de "cidade das mangueiras", e a fruta foi parte central da infância do craque.



Belém, cidade natal de Quarentinha, é conhecida como "cidade das mangueiras" — Foto: Lívia Laranjeira


De onde vem o apelido?

A alcunha de Quarentinha é mais uma herança vinda do pai. No Instituto Lauro Sodré, onde pai e filho estudaram, era comum que cada aluno possuísse um número correspondente para identificação. Luís era Quarenta; seu filho Waldir, portanto, só poderia ser o Quarentinha. Hoje, o prédio é sede do Tribunal de Justiça do Estado do Pará.


A escola acaba sendo outra ligação entre Quarentinha e o Botafogo, ainda que de forma indireta. O também paraense Mimi Sodré, nascido em Belém em 1892 e bicampeão carioca pelo Alvinegro (1910/1912), é filho do abolicionista que dá nome ao internato onde estudou Quarentinha.


Antigo colégio de Quarentinha, em Belém — Foto: Bárbara Mendonça


O internato Lauro Sodré gozava de prestígio e fama pela rigidez. Mas isso pouco importava para Quarentinha, que queria mesmo era viver com a bola no pé. Não há comprovações de uma atuação direta de Quarenta, mas fato é que Quarentinha conseguiu uma vaga no time de juvenis do Paysandu.


— Provavelmente, as coisas foram mais fáceis por ele ser filho do Quarenta. Não há relato de que o pai tenha mexido pauzinhos, já que não jogava mais bola na época que o filho entrou. Mas o Quarenta ia a todos os jogos, cobrava muito do Quarentinha. Isso talvez tenha influenciado muito esse jeito de ser mais fechado, que se cobrava muito. Imagina, ser jogador em um time em que seu pai foi ídolo? — pergunta-se Rafael Casé.



Quarentinha (canto inferior direito) enquanto jogador do Paysandu — Foto: Divulgação


A chegada ao Rio de Janeiro

Quarentinha defendeu o time profissional do Paysandu entre 1951 e 1952, antes de deixar o Pará com status de revelação rumo ao Vitória. Na Bahia, o atacante marcou três gols em dois jogos contra o Botafogo, que tinha costume de fazer excursões pelo Brasil.


O desempenho contra o Alvinegro fez com que Nilton Santos e o técnico Gentil Cardoso recomendassem a contratação de Quarentinha à diretoria. A estreia com a camisa do Botafogo aconteceu em junho de 1954.


— Ele chega com essa promessa de ser o artilheiro, um grande goleador. E nos primeiros momentos, não rende o que se esperava dele. Joga o restante da temporada de 1954, depois em 1955 meio que vai para a reserva. No começo de 1956, não vai bem e o Botafogo o empresta para o Bonsucesso para jogar o Carioca. Só que aí, no Bonsucesso, ele fez gol em praticamente todos os jogos — lembra Rafael Casé.



  Garrincha, Edson, Quarentinha, Amarildo e Zagallo em time histórico do Botafogo - Foto Reprodução

Convidado para assumir o comando do Botafogo em 1957, João Saldanha solicitou o retorno de Quarentinha ao clube de General Severiano. Naquele mesmo ano, o Alvinegro conquistou o Carioca, título que não vencia desde 1948. O troféu foi sacramentado em vitória sobre o Fluminense, em jogo que demandou uma nova função de Quarentinha.


— O Quarentinha era o artilheiro do campeonato até a partida final, quando o João Saldanha virou para ele e disse "vamos pegar o Fluminense de calça curta. Você não vai jogar no ataque, vai marcar o Telê Santana e não vai desgrudar dele." Era o cérebro do time do Fluminense. Nisso, o Botafogo ganhou de 6 a 2 do Fluminense. O Paulinho Valentim, que era o companheiro de ataque do Quarentinha, fez cinco gols e roubou a artilharia dele - relembra o escritor.


Até logo, Botafogo

Quarentinha marcou 313 gols pelo Botafogo ao longo de 444 jogos. Em 1964, entretanto, ouviu que o clube não tinha interesse em dar sequência ao vínculo. Quando deixou General Severiano, o artilheiro já tinha mais de 30 anos, o que o fez perder relevância no futebol da época mesmo com passagens recentes pela seleção brasileira.


Outros episódios do cotidiano, como a proibição de que jogadores entrassem pelo casarão de General Severiano, ajudaram a construir uma certa mágoa de Quarentinha pelo Botafogo.


— Em vários clubes, os jogadores também não podiam entrar pela entrada social, como era o caso do Botafogo. (...) Muitas vezes, essas coisas desgastaram o Quarentinha, porque ele achava que não teve o reconhecimento pelo tanto que fez. Ele sai em 1964 quando praticamente poderia ter sido titular na Copa de 1962 — acrescenta Rafael Casé.


Após deixar o Alvinegro, Quarentinha foi para a Colômbia, onde ganhou o apelido de Maestro. Passou por Unión Magdalena, Junior Barranquilla e Deportivo Cali, mas quis voltar ao Brasil por razões familiares. Sem espaço no futebol nacional, acabou parando em clubes de menor expressão em Santa Catarina.


No Sul do Brasil, Quarentinha "desapareceu" para a família. Achou um novo amor, mesmo não sendo solteiro nos documentos, e só reencontrou os parentes com uma ajudinha de Nilton Santos - que encontrou o amigo trabalhando como estivador no porto de Itajaí e avisou a um filho do artilheiro. Depois do reencontro, Quarentinha retornou ao Rio de Janeiro.


A emoção do reencontro

A seriedade e a timidez eram uma marca registrada de Quarentinha, que fugia de comemorações mais explosivas por entender que marcar gols era sua obrigação contratual. Outra característica era o chute forte, comparado a um canhão.


Foi este mesmo homem contido que se entregou à emoção do reencontro com o Botafogo, em festa celebrando o retorno do clube à sede de General Severiano, em dezembro de 1995. O Alvinegro organizou uma cerimônia com a presença de diversos ex-jogadores. Na opinião da família, o reencontro foi tão significativo que influenciou o fim da vida do craque.


— O Quarentinha recebeu o convite, não queria ir, mas foi convencido pela filha e pela neta. Ali, acho que selou um pouco as pazes com o Botafogo. Ao chegar, as pessoas começaram a reconhecê-lo, mesmo muito diferente aos 60 e poucos anos. Tinha cara de muito mais (velho), foi uma vida sofrida. Mesmo assim, foi reconhecido, deu autógrafos, tirou fotos, participou da pelada — detalha Rafael Casé, acrescentando:


— Ele chegou em casa muito feliz. Na mesma noite, teve um mal súbito e foi internado. Chegou a receber alta no começo de janeiro, mas voltou para o hospital e não saiu mais. O que a família fala é que a emoção daquele dia, provavelmente, fez com que ele passasse mal. No final, Quarentinha viu que o trabalho feito tinha sido reconhecido.

O Botafogo tem mais uma chance de recordar a memória de Quarentinha neste domingo. No Mangueirão, o Alvinegro enfrenta o rival Flamengo às 16h (horário de Brasília) pela Supercopa Rei. O duelo valendo taça reúne os campeões do Brasileiro e da Copa do Brasil de 2024.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem