Na disputa pelos títulos da Libertadores e do Brasileirão, treinador se encantou com a ambição de Textor por taças e recebeu o incentivo da esposa para trocar Braga pelo Rio de Janeiro
A jogada ensaiada do primeiro gol do Botafogo contra o Palmeiras, na terça, já entrou na galeria dos momentos marcantes da temporada alvinegra. Ela nasceu na cabeça de um treinador junto de seu assistente João Cardoso que até o início deste ano eram desconhecidos no Brasil, mas entrou no caminho alvinegro a partir de uma conversa na mesa de um restaurante em Matosinhos, município vizinho à cidade do Porto.
Foi ali, no fim de março, que John Textor apresentou o projeto do Botafogo a Artur Jorge. Na cultura portuguesa, muitas decisões são tomadas à mesa. Mas o treinador, ainda que encantado com a oportunidade, evitou dar uma resposta definitiva ao empresário Norte-Americano. Faltava ouvir uma pessoa.
Assista abaixo a história de Artur Jorge e sua esposa Maria Marques, que foi fundamental para que o seu esposo viesse para o Botafogo:
— Gazeta Botafogo ⭐📰 (@agazetabotafogo) November 28, 2024
Em casa, a conversa com a esposa, Maria Marques, foi decisiva para o treinador aceitar a proposta. Apesar da distância dos três filhos e dos três netos, Maria incentivou a mudança, em boa parte por conhecer a personalidade do homem com quem é casada há 31 anos.
- O Artur tem uma capacidade grande de se adaptar onde quer que esteja. Muito maior do que a minha, confesso. Ele tem esse lado prático que eu gostaria de ter um bocadinho. Eu sou muito coração, o Artur é muito racional. E acho que isso acaba por facilitar a vida, sem grandes saudosismos. O Artur de Braga é exatamente o mesmo Artur do Rio - conta a esposa.
Na conversa com Maria, Artur Jorge deu os detalhes do que ouvira de Textor no restaurante. O empresário norte-americano adotou com o treinador estratégia semelhante à que utilizara para convencer Luiz Henrique e Almada a defenderem o Glorioso.
Tiago Nunes havia sido demitido um mês antes, mas Textor garantia não ter pressa. Enquanto Fábio Matias comandava o time de forma interina, o norte-americano estabelecia como prioridade o acerto com um nome para o longo prazo, já que o clube tivera quatro técnicos em oito meses.
O acerto com Artur Jorge tornou-se desejo de Textor pelo trabalho do treinador no Braga, marcado pelo desenvolvimento nas categorias da base e por um título recente, a Taça da Liga de Portugal conquistada em janeiro deste ano, além da participação na Champions League.
O entrave e o convencimento
O cenário não era favorável na negociação - afinal, as temporadas estavam em andamento, ainda que a europeia estivesse perto do fim. Artur tinha contrato com o Braga até a metade de 2025, mas o treinador já havia decidido sair ao término da temporada 2023/2024.
Além de convencer o treinador a trabalhar no Brasil - e deixar a cidade em que morou quase a vida inteira - para trabalhar no Brasil, Textor teria que negociar com a diretoria do clube português para garantir a liberação com antecedência.
O norte-americano se encontrou pessoalmente com Artur Jorge no restaurante em Matosinhos em 26 de março, sete dias antes de o técnico desembarcar no Rio de Janeiro. Durante a pausa dos clubes para a Data Fifa, Textor apresentou o projeto do clube, citou a ambição por títulos e, depois de dias de negociação, recebeu o ok do treinador.
Negociação por estabilidade
E por que Artur Jorge gostou do projeto? Nos últimos anos, treinadores portugueses passaram a olhar com mais atenção para o mercado brasileiro, principalmente depois do sucesso de Abel Ferreira e Jorge Jesus. Antes visto como um mundo distante, o Brasil se tornou um lugar fértil para construir novas histórias.
Quando surgiu a oportunidade do Botafogo para Artur Jorge, ele rapidamente se interessou, mas se assustou com a "máquina de moer técnicos" e tentou garantir alguma estabilidade. Textor concordou.
- Confesso que a primeira imagem que tinha enquanto espectador não era a melhor sobre o futebol brasileiro, justamente pela continuidade massiva de trocas de treinadores. Muitos em cima de um ou dois resultados. Isso não mostra estabilidade do projeto, é uma tremenda prova de falta de confiança. Mas vim muito seguro do projeto que abracei. Sempre que conversei com Textor, foi no sentido de olhar como sendo um projeto, que tem que ter princípio, meio e fim - disse o treinador ao ge.
- Nas conversas, foi sempre posto que resultados poderiam implicar fragilidade, mas estávamos em busca de grande ambição, seriedade, confiança, demonstração de saber o que estamos fazendo. É muito importante uma estrutura para ter sucesso, precisamos disso por trás de nós. Precisamos de estabilidade emocional, sabendo que por vezes há contratempos, contextos, momentos.
Artur fez a carreira praticamente inteira no Braga. Começou no sub-19 em 2010, passou pelo time B e saiu em 2013 para treinar a equipe profissional do Tirsense, nas divisões inferiores de Portugal. Retornou ao Braga para comandar o sub-15, em 2017. De lá, foi subindo degrau por degrau até chegar ao time principal em 2022.
A zona de conforto no clube português o incomodava. Por isso, já havia tomado a decisão de deixar o Braga ao fim da temporada 2023/24. Assim, depois de longa reflexão com a família, aceitou o desafio no Brasil.
- A paixão de vir para um projeto que me agradou desde a primeira conversa. Estava em uma zona de conforto muito boa, desde o sub-15 do Braga gradualmente até o mais alto nível. Quanto mais eu ia subindo, mais perto ficava da minha saída. Não há treinador eterno. E eu sabia que tinha chegado meu momento de sair. Fizemos campanhas muito boas. Batemos todos os recordes do clube, gols marcados, pontos conquistados, números de vitórias, eu estava deixando uma marca. E, quando tive a oportunidade, não hesitei. O Botafogo era um clube de que eu ouvia falar, da grandeza, e tinha uma estabilidade muito importante para mim, porque vivo disso.
Braga resistiu à liberação
No dia 29 de março, o ge publicou que o Botafogo havia acertado com Artur Jorge. No entanto, Textor ainda precisava negociar com os dirigentes do Braga para conseguir a liberação imediata do treinador. Mesmo com um novo treinador no horizonte, os portugueses fizeram jogo duro.
No dia 3 de abril, o Braga cedeu e anunciou que Artur Jorge deixava o clube, mediante pagamento de 3 milhões de euros. O presidente António Salvador criticou a forma como o treinador deixou a equipe.
- Artur Jorge assinou um contrato à revelia do clube e criou todas as condições para não continuar. Enquanto presidente, restou-me defender ao máximo os interesses do clube - disse o dirigente.
Sete meses depois, Artur Jorge já comandou o Botafogo em 51 jogos, com 28 vitórias, 15 empates e oito derrotas. Agora, está muito perto de entrar para o rol de grandes nomes de um clube cuja história ele destacou desde a sua apresentação.
- Eu conheço a dimensão do Botafogo, sei perfeitamente. É daqueles clubes que desde muito novo quem é apaixonado pelo futebol sempre ouve falar. Quando falamos em Brasil, falamos também em Botafogo - disse o treinador.