Em entrevista, técnico Artur Jorge afasta pressão em reta final de temporada e diz que Botafogo não é imbatível, mas ¨tem sido insuperável¨; Técnico diz que entende o real motivo dos elogios de Abel Ferreira do Palmeiras, e já alertou elenco à respeito

                               
Artur Jorge - Foto Reprodução: Ana Branco/Agência O Globo


Em conversa exclusiva com o GLOBO, treinador português passa a limpo os meses no Rio de Janeiro, explica perfil distante de polêmicas, abre o jogo sobre desconforto com "tema 2023", e revela relação familiar com o futebol


O Rio de Janeiro está marcado na vida de Artur Jorge  e podemos também dizer que o técnico do Botafogo, transformou a cidade do Rio De Janeiro em sua segunda casa, assim como tem amor e paixão por sua cidade natal Braga em Portugal. Mas a lembrança mais forte da cidade — ao menos até aqui— pertence ao “avô Artur”, e não ao técnico que levou o Botafogo à liderança do Brasileirão e à final da Libertadores. Foi em terras cariocas, durante o período em que os três filhos, residentes em Portugal, vieram visitá-lo que um dos três netos aprendeu a andar. Uma experiência parecida com a que ele deseja viver com o alvinegro enfim campeão.


Artur Jorge - Foto Reprodução: Ana Branco/Agência O Globo


— Tem alguma comparação, naquilo que são os tropeços dos primeiros tempos e, acima de tudo, o incentivo e a confiança necessários a uma criança, a um clube, para caminhar cada vez mais firmemente — filosofou, enquanto recebia O GLOBO, na sexta-feira, após mais um treino rumo à maratona de “seis finais” do fim de temporada do alvinegro.

O investimento, as décadas sem grandes títulos, o ano passado. É difícil imaginar um cenário de tanta pressão por taças. Como não se afetar?


Podendo desfrutar de todo este sonho e momento de bem-estar. Porque esta equipe está perfeitamente bem. Há muita bagagem que vem do passado e que procuram colocar em cima deste grupo. Eu pedi no jogo contra o Vasco: “Divirtam-se dentro do campo, nós estamos vivendo tudo aquilo que todos queriam viver”. Senão não somos capazes de lidar com a pressão. Nós não podemos nos propor metas altas. São seis finais. Mas estou muito mais feliz de ter essa missão, esse desafio, do que fazer cinco jogos para ficar em sétimo ou oitavo.


Artur Jorge - Foto Reprodução: Ana Branco/Agência O Globo


Como gerir a expectativa da torcida? As vaias depois dos empates com Criciúma e Cuiabá te incomodam?


Eu não gosto. Não gosto tendo em conta a nossa posição, o nosso momento e o que está na nossa mão. Temos que ter um bom senso. Eu também queria ganhar do Cuiabá, mas é possível fazer uma análise mais alargada, não só do momento. Eu nunca vivi, em toda a minha vida, uma torcida apaixonada, presente, de apoio, carinhosa. Em nada vai ajudar nesta altura nós manifestarmos algum desagrado. Porque ninguém tem mais exigência do que nós próprios.



Artur Jorge - Foto Reprodução: Ana Branco/Agência O Globo


Isso ajuda nessas “finais”?


Nós temos que perceber que não estamos sozinhos. Temos adversários que serão difíceis de bater. Não nos faltarão inimigos nesta reta final. Se não formos capazes de nos juntar e criar uma barreira impenetrável... Hoje, não somos imbatíveis, mas há muitas rodadas somos insuperáveis. Porque há muitas rodadas ninguém nos superou na liderança. Fiquem com essa mensagem. Este Botafogo tem sido insuperável. Se vai ser até o fim, não sei, mas vamos lutar por isso.


Ao contrário de compatriotas e antecessores, você sempre desvia das polêmicas nas entrevistas. É estratégico?


É minha forma de ser. Eu jogo desde os 11 anos, minha paixão é futebol, não é defender meu cargo, meus resultados. O que me move é o jogo, discuti-lo. Há polêmicas, em todas as coletivas teríamos razões para falar do que quer que fosse. Mas acho que é o caminho mais fácil, que não vai acrescentar nada e não me preenche.


Abel Ferreira, do Palmeiras, usa esses momentos de forma estratégica. Entende assim quando ele diz que o Botafogo tem tudo para ser campeão?


Entendo, claro. Já discuti com a equipe também. Nós não podemos ficar adormecidos, isso não pode nunca castrar nossa ambição. Falo disso sempre, de estratégias de comunicação de adversários. Mas não controlo. Vivo e lido, mas não controlo.


Falar de 2023, porém, parece te causar irritação. Por quê?


Não me causa. Estou perfeitamente à vontade para falar sobre isso. Eu não aceito é que, constantemente, esse seja um tema. Porque estamos outra vez desvalorizando aquilo que é feito em 2024. Para mim, causa desconforto. Então, falem de 1995 (último título brasileiro do Botafogo). Não faz sentido. Não são os mesmos jogadores, nem o mesmo treinador. A história não é sempre igual. Trabalhamos para fazer com que a história futura seja melhor. Desde o início, a minha preocupação foi clara: que este grupo não seja constantemente bombardeado com questões sobre o ano passado. Senão não vamos evoluir.


Em 2024, quando se fala de Botafogo, é mais sobre investimentos e jogadores do que necessariamente sobre seu trabalho. Isso incomoda?


Estou muito bem resolvido com aquilo que é meu trabalho e não vivo dependendo daquilo que se fala de mim ou do meu time. Vivo de resultados. É o melhor cartão de visitas. Nós vemos e sabemos que não fomos o único clube a investir. Havia sete ou oito times que começaram o Brasileirão querendo o título. Investiram para ser campeões. Uns com mais poder econômico, outros com mais grife, mas todos com a mesma missão.


É aí que o trabalho diferencia?


O campeonato vai fazendo uma seleção natural. Hoje temos três grandes candidatos ao título: nós, o Palmeiras e o Fortaleza. E o Flamengo, um bocadinho mais difícil. Fala-se naturalmente do John Textor, uma pessoa que investiu em um clube que estava perdido e foi a tábua de salvação para ambicionar por títulos. Mas eu não fui o primeiro treinador a chegar nessas condições. Quando cheguei, o Botafogo já tinha uma temporada de John Textor, um Botafogo que jogava o que jogava, mas não me compete julgar.


Mas te incomoda se dizem que o Botafogo só disputa títulos pelo alto investimento?


Não fico incomodado que se possa falar mais sobre o poder que o Botafogo tem hoje. Não é um grande tema, porque outros clubes investiram muito também. Disputamos muitos jogadores com outros clubes e perdemos, porque pagaram mais. Ou porque pagaram o mesmo, mas o jogador preferiu ir, porque, no entender dele, a grife daquele clube era maior que poderia ser a do Botafogo. Estamos na final da Libertadores porque fomos a equipe que mais investiu na América do Sul? Não. Chegamos lá porque fomos melhores, mais competentes. Trabalho de campo e não preço de jogadores. Hoje, temos alguns clubes que investiram muito para serem campeões brasileiros e estarem na final da Libertadores e ficaram pelo caminho. Eles têm que assumir esse erro e não ficar apontando e tentando justificar o que é sucesso dos outros.


O Botafogo é muito elogiado pela ofensividade, mas há críticas de que o time tem dificuldade contra rivais que jogam muito retrancados...


É a opinião de cada um. Eu sei o que é meu trabalho, e das dificuldades do Brasileiro, um torneio que eu adoro. Tem equipes que lutam pelo G4, outras pelo Z4, e não há adversários — e sim jogos em que por vezes não conseguimos ser tão eficientes. Independentemente de o adversário ter 60 ou 30 pontos, não medimos nossa abordagem em função disso. Queremos jogar, seja onde for, com a mesma identidade. Não podemos ficar presos a críticas ou elogios.


Um elogio que tem surgido é a comparação com o Flamengo...


De 2019 (sorri). Vi muito porque, quando Jorge Jesus veio para cá, foi massivamente acompanhado em Portugal. Pela dimensão do clube, da mesma forma que o Abel é no Palmeiras. Podemos dizer que o objetivo é o mesmo. Mas os contextos são diferentes: dimensões e grifes de um e outro clube, dos jogadores... Mas o Botafogo de 2024 é uma equipe perfeitamente capaz de se nivelar com aquelas que foram as melhores que já disputaram os Brasileiros.


Soube que seu neto aprendeu a andar aqui no Rio. Você tenta fazer o Botafogo voltar a caminhar pelas taças...


(Sorri, se emociona). Tem alguma comparação, naquilo que são os tropeços dos primeiros tempos e, acima de tudo, o incentivo e a confiança necessários a uma criança, a um clube, para caminhar cada vez mais firmemente. Cada emoção na sua medida, mas, sim, eu fiquei muito satisfeito e feliz de ver o meu neto caminhar a primeira vez aqui no Brasil. Por ser em nossa casa, do avô para a avó, do avô para a mãe, da mãe para a avó. Esses primeiros pequenos trajetos que ele foi dando, para sair daqui, correr o Galeão todo, e termos que o parar (risos). É o constante progresso, que também queremos que possa ser um sinônimo do trabalho que desenvolvemos no Botafogo.


Sua mulher se mudou com você para o Rio. Isso ajuda?


Não sou uma pessoa fácil, porque tenho metas e uma consciência muito grande. Acima de tudo, é saber reconhecer uma pessoa, a minha mulher. Temos 32 anos de casados. Ela tinha uma vida muito preenchida, a vida profissional dela, mas não hesitou no momento em que teve que vir para cá. Estamos falando de uma semana. Tinha um projeto do qual era a máxima responsável e não abdicou de vir, para também compartilhar este momento comigo. Ela faz com que tudo seja mais simples. A companhia é sempre muito importante para nossa estabilidade emocional.


A família acompanha os jogos?


Eu tenho este “problema”: uma família doente pelo Botafogo. Minha mãe, às vezes, me manda mensagem às 3h em Portugal para dizer “parabéns” ou “vamos lá, mais uma”, porque viu o jogo. Os jogos lá começam às 3h ou 4h da manhã...


Gosta do Rio? Já foi a Botafogo?


Passei de carro, mas confesso que não me atrai muito, porque eu sinto necessidade de viver dentro de uma bolha, num lugar mais reservado, também por ansiedade relacionada à segurança. Ou insegurança. Não vivo tão livremente como em Portugal, por imposição minha. Já conheci locais fantásticos, pessoas boas, mas é um processo de adaptação. A exposição me obriga a ter algum tipo de reserva.


Lembra-se das impressões quando chegou do aeroporto para o camarote no estádio? O que tinha que mudar?


Não quero nem posso ser muito injusto, mas confesso que fiquei muito preocupado com aquilo que vi (na derrota por 3 a 1 para o Junior Barranquilla, na estreia da Libertadores). O time estava descrente, não mostrou que podia competir em alto nível. Foi essa minha primeira preocupação, junto com o trabalho que ia exigir muito de mim. Mas, poucos dias depois, e após algumas conversas, percebemos que teríamos resultados. Porque os jogadores sabiam que as coisas não estavam bem e que era possível fazer mais. De lá até hoje, e tenho certeza de que até daqui a um mês, é um time que vai se superar constantemente.


O quanto ganhar o Brasileirão, a Libertadores ou ambos muda o patamar da sua carreira?


Muda muito, temos que ser honestos. Eu já ganhei um título nacional em Braga, mas muda muito pela dimensão do país do futebol. Estamos colocando hipóteses, mas aumenta consideravelmente meu valor de mercado e minha projeção. Outros clubes também entendem este trabalho que estamos fazendo. Também já sentimos isso. Jogadores, treinadores, clubes... Estamos mais valorizados pelo que conseguimos fazer.


Sua selfie nas cadeiras antigas do Centenário e posts sobre o Maracanã passam a impressão de um fã da história do futebol. Viver isso do outro lado do Atlântico te encanta?


A paixão pelo futebol é nós podermos ser uma parte ativa da história, mas sem perder a essência do passado. Tenho uma idade (52 anos) que já me permite olhar para trás. Desde muito cedo, fui sempre muito fã de futebol, e quero continuar a me sentir assim. Profissionalmente, hoje, sou um treinador, mas a minha vida vai ser sempre de torcedor, e são esses momentos que guardo e procuro desfrutar de forma direta. Futebol é minha paixão, nunca vai mudar, e vou ver sempre o futebol na perspectiva do torcedor.


Como fã de futebol, como se sente ao comandar o Botafogo, de passado tão reconhecido, e escutar que está prestes a, talvez, viver os dez dias mais importantes da história do clube?


É pesado. É uma responsabilidade que nos põe em um patamar de elite, de Nilton Santos, de Garrincha, referências do próprio clube... Procuro fazer o meu trabalho para que eu possa, acima de tudo, desfrutar deste momento. Nunca fugir da responsabilidade, da ambição, ao trabalho que me deu e me dará para fechá-lo bem.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem