O sonho da conquista da Glória Eterna pelo Botafogo terá Buenos Aires como cenário para o último capítulo da trajetória alvinegra na Libertadores 2024. Todos os caminhos levam ao Monumental de Nuñez, e um grupo de botafoguenses que mora na Argentina se mobiliza para ajudar os torcedores do time carioca que irão ao país vizinho para viver a decisão do torneio sul-americano diante do Atlético-MG, no dia 30 de novembro, às 17h (horário de Brasília).
Estudantes de Medicina, os organizadores da ArgenFogo, grupo formado por alvinegros que moram em solo argentino, criaram uma comunidade via aplicativo de mensagens para dar suporte àqueles que vão ou pretendem viajar para a Argentina.
Além das dicas de logística, hospedagem, câmbio, transporte e serviços para a final da Liberta, a torcida alvinegra é uma maneira de reunir fãs do Botafogo que vivem em cidades argentinas e reaproxima-los do amor pelo Glorioso.
O ge conversou com os integrantes da torcida, que nasceu em um dia que teve bebedeira em verduraria, beijo na careca de Textor e vitória do Botafogo na Argentina.
Origem caótica
Antes de entender como alguns torcedores botafoguenses decidiram se mobilizar para ajudar os irmãos de camisa que vão a Buenos Aires, é importante conhecer a origem da ArgenFogo.
Formado oficialmente há pouco mais de um ano, o grupo surgiu de uma “aventura” para acompanhar o Glorioso in loco na Sul-Americana.
No entanto, quando João Pantaleão pegou um ônibus de Buenos Aires para Santa Fé e depois rumo a Paraná para assistir a Patronato x Botafogo, ele não imaginava que desta viagem surgiria uma “família” botafoguense na Argentina.
O estudante de Medicina saiu com a namorada Gabriela de madrugada, na véspera do jogo, e demorou seis horas para chegar a Santa Fé. Após uma manhã de turismo com a companheira, eles pegaram outro ônibus e viajaram mais 45 minutos rumo a Paraná, local da partida de volta pela segunda fase, anterior às oitavas de final da Sula.
Ao chegar à rodoviária, o casal encontrou outro alvinegro, chamado por João de Johnny Lelé. Assim, os três começaram a andar pelas ruas de Paraná em busca de mais companheiros botafoguenses, um banheiro e um bar para fazerem uma espécie de pré-jogo, já que era início da tarde, e a partida estava marcada para as 19h.
O trio teve um revés no primeiro momento. Com exceção de um local onde torcedores do Patronato se confraternizavam, o comércio estava fechado, por conta da tradição de “La Siesta”, que é um momento em que os argentinos tiram durante a jornada de trabalho para se alimentarem e descansarem.
Só que, na volta para a rodoviária, veio o alívio. João viu uma verduraria aberta, e decidiu tentar a sorte com uma vendedora. Deu certo.
— Entrei lá e perguntei se ela tinha banheiro. Ela respondeu que sim. Eu olhei e tinha limão, laranja, tangerina, morango e uma geladeira cheia de cerveja. Eu perguntei se eu poderia usar banheiro, se poderia beber a cerveja dela e se ela não iria fechar a loja. Ela me disse: “Me gusta la plata” (gosto de dinheiro) — contou.
João fez amizade com a proprietária e, enquanto bebia cerveja, colocava músicas na TV do estabelecimento, como pagode e o hit “Segovinha joga bola”.
Com isso, o trio fez da verduraria um bar, que atraía os botafoguenses que apareciam por ali. Assim, o pré-jogo para cerca de 20 pessoas e a bebedeira aproximaram os botafoguenses, algo que se tornou o embrião da ArgenFogo.
Beijo na careca de Textor
Só que a aventura estava apenas no começo, afinal, tinha jogo eliminatório pela frente. Com o empate por 1 a 1 no jogo de ida no Nilton Santos, o Alvinegro precisava vencer fora de casa para avançar às oitavas de final.
Em um dia chuvoso e com a maioria das ruas sem calçamento, os Alvinegros precisaram lidar com um lamaçal no caminho para o Estádio Presbítero Bartolomé Grella.
Em campo, vitória por 2 a 0 e classificação garantida. Fora dele, muita história para contar. John Textor, dono da SAF do Botafogo, apareceu nas arquibancadas e assistiu ao jogo junto com João e os outros alvinegros.
João tirou fotos com Textor durante a partida — Foto: João Pantaleão/Arquivo pessoal
Animado, com direito a dancinha na música cantada para Segovinha, o norte-americano foi muito festejado e entrou no ritmo da torcida. João se aproveitou, tietou, tirou foto com Textor e fez uma coisa que ele considera o marco para a criação da ArgenFogo.
“Beijei a careca dele. Costumo dizer que deste beijo surgiu a ArgenFogo”
Textor voltou a ter contato com o grupo recentemente. Em meio às semifinais diante do Peñarol, o mandatário gravou um vídeo para as redes sociais da ArgenFogo, quando revelou confiança no título do Alvinegro na Libertadores.
— Olá, ArgenFogo. Muito obrigado por nos apoiarem na Argentina. Vamos ganhar a semifinal, depois vamos nos ver na Argentina, onde vamos ganhar a Copa.
Segunda “família” estreita laços alvinegros
Este primeiro encontro em julho de 2023 fez com que os botafoguenses criassem uma conexão entre si, daquilo que viveram no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. Após trocarem contato telefônico, os alvinegros passaram a se organizar e criaram a ArgenFogo.
Pouco mais de um mês depois do jogo contra o Patronato, o Glorioso voltou à Argentina em agosto para encarar o Defensa y Justicia, pelas oitavas da Sul-Americana.
Nathália Pinheiro, que chegou ao país para estudar Medicina em 2018, assistiu à derrota por 2 a 1 e a eliminação no torneio. Porém, apesar do resultado, ela se disse feliz por se reconectar com o Botafogo in loco.
Após a morte do pai André e do avô Plínio, em 2018, e com a distância dos irmãos Gabriel e Rodrigo, todos eles botafoguenses, ela precisava de gente por perto para compartilhar as emoções em dias de Botafogo.
— A coisa que eu mais sentia falta morando aqui em Buenos Aires era não poder ir ao estádio ver jogos do Botafogo. Eu não tinha noção o quanto isso faria falta no meu dia a dia. Ficava vendo os jogos através do computador e ficava maluco de não estar lá (no Nilton Santos). Eu queria estar com mais gente, ir para um bar. Não que isso seja igual a ir para o estádio, mas eu queria ter com quem conversar, compartilhar experiências, viver momentos junto com outros botafoguenses — contou a estudante, que vem de família toda alvinegra.
O sentimento de Bruno Ladislau é parecido com o da colega de faculdade. De acordo com ele, a ideia de fundar a torcida era permitir que os alvinegros pudessem se reunir, comemorar e sofrer juntos.
— Foi automático, a ideia veio na cabeça de todo mundo. Por exemplo, eu passei dois anos sozinho com o meu computador, assistindo aos jogos, sofrendo sozinho, gritando sozinho. A gente fundou a ArgenFogo pensando muito em cada um que vivia esta situação, para achar mais parceiros. Foi um processo incrível. A galera virou uma família
No entanto, apesar dos irmãos de camisa que conheceu na Argentina, o que pega para o botafoguense é a distância do pai, Jorge.
Carioca, Bruno afirma que é um sonho viver uma final de Libertadores, sobretudo na Argentina, onde ele mora há alguns anos para realizar o desejo de se tornar médico. Porém, a ausência daquela que passou o amor pelo clube da Estrela Solitária é algo que pesa, sobretudo neste momento positivo do Botafogo.
— Sempre sofri com o Botafogo, cresci em uma época bem conturbada da história do clube. Só vi porrada, poucos momentos de glória. Estar vivendo isso, ainda longe do meu pai, é uma parada forte. Sinto muita falta dele. Neste momento, queria muito estar ao lado dele, mas não é possível. OBotafogo foi sempre uma maneira de me relacionar com o meu pai, sempre foi um assunto recorrente, uniu muito a gente.
“Viver esse momento por ele”
Outra que sente a ausência do pai é Ysabelly Moraes. No entanto, a falta é sentida de um jeito diferente. Na Argentina desde 2015, ela perdeu Seu Raimundo durante a pandemia, vítima de Covid-19.
Em razão das restrições sanitárias, ela não conseguiu ir ao velório e ao sepultamento, mas voltou ao Brasil e ficou no país natal por um ano e meio para se recuperar. Segundo ela, a própria relação com o Botafogo foi afetada, algo do qual ela se arrepende.
— A morte do meu pai me afastou do Botafogo. Em 2021, assisti a nenhum jogo do time, porque achei que não fazia mais sentido fazer aquilo sem ele. Foi um erro, ne? O vínculo que tenho com o Botafogo é a maior conexão que tenho com o meu pai. Em cada momento em sinto que ele está presente — contou.
Quis o destino que o Botafogo se classificasse para uma final inédita de Libertadores que será disputada na Argentina. Ysabelly vai receber a irmã Yasmin em Buenos Aires e afirma que não sabe como irá reagir no dia 30 de novembro, data da decisão contra o Atlético-MG.
“Não sei qual vai ser a sensação. Tudo para mim é muito novo. Eu vou receber a minha irmã aqui para viver estes momentos juntas por ele. Todo dia me emociono com isso”.
Suporte a alvinegros que vão para a Argentina
Desde o fim do ano passado, a ArgenFogo se tornou uma maneira de estreitar ao laços entre os botafoguenses na Argentina. Dia de jogo é certeza de encontro, seja em barzinhos ou na casa de alguém para um churrasco. Os maiores deles têm acontecido no jogos pela Libertadores, sobretudo no mata-mata.
Com a classificação para a final do torneio e com a confirmação da Conmebol de que a decisão será no Monumental de Nuñez, o grupo resolveu fazer algo mais. Eles criaram uma comunidade no WhatsApp para auxiliar quem tinha o interesse de ir para Buenos Aires para o jogo contra o Atlético-MG.
— Foi muito fácil dar esta ajuda para quem está vindo, para que as pessoas não se preocupem tanto com o país, os perrengues e a viagem em si, e sim se concentrem em aproveitar o momento do Botafogo. A cada dia que passa eu me surpreendo mais com esse clube, essa torcida, com essas pessoas, com os meus amigos, com a família ArgenFogo — disse Nathália.
— Nós pensamos: “A gente tem que fazer alguma coisa. Nos postulamos como a torcida do Botafogo na Argentina, não podemos ficar parados. Temos que ajudar a galera, concentrar tudo, fazer tudo junto, não se dividir em grupos”. A gente meio que assumiu essa responsabilidade. A coisa tomou uma proporção que a gente não esperava — acrescentou Bruno.
Mais de 1 mil pessoas entraram nos grupos da comunidade no aplicativo de mensagens, em busca de informações relativas a logística, câmbio, turismo, hospedagem e ingressos.
Além do combate a ação de cambistas e o uso da plataforma para anúncios, Bruno Ladislau afirma que o grande desafio dos estudantes de Medicina tem sido tentar atender a todos.
— A maior dificuldade é conciliar faculdade, trabalho e essa movimentação do Botafogo aqui na cidade. A gente se divide aqui e tenta dar atenção a todo mundo que pede ajuda. Nunca estive nesta posição de tentar auxiliar as pessoas, e não esperávamos que tomasse a proporção que tomou — declarou.
Semana de eventos
De jogo em bar a samba e pagode. Além dos serviços prestados aos botafoguenses nos grupos de WhatsApp, a ArgenFogo montou uma semana especial de eventos para a final da Libertadores (veja abaixo).
ArgenFogo montou semana de eventos para a final da Libertadores para quem estiver em Buenos Aires — Foto: Reprodução/Instagram
A programação começa na terça-feira, dia 26, dia do jogo entre Palmeiras e Botafogo, pelo Brasileirão. Os torcedores vão se reunir em um bar em Puerto Madero. Na quarta, dia 27, está programada a recepção à delegação alvinegra, que vai desembarcar em Buenos Aires.
Na quinta, dia 28, os alvinegros tem encontro marcado no mesmo bar de terça, em Puerto Madero. Já na sexta, haverá um pré-jogo especial para a torcida do Botafogo em uma boate em Buenos Aires, entre 14h e 22h. O evento é privado e os ingressos estão à venda.