Em entrevista ao Esporte Espetacular da Rede Globo, Artur Jorge revela ser fã de Maradona, e tem inspiração ofensiva em Johan Cruyff e Jürgen Klopp para o Botafogo



Apaixonado por futebol, Artur Jorge, torcedor do Braga, de Portugal, viu a concretização de sonhos em sequência no clube que sempre amou e o lançou a novos desafios. O primeiro deles foi se tornar jogador de futebol e capitão do time, até decidir ser técnico e subir degrau por degrau desde o sub-15 do time português à conquista da Liga de Portugal pelo profissional na temporada passada.

Atuar como treinador no Brasil é outro desafio, ainda mais por ser depois de um momento delicado, na tentativa de amenizar a perda do título em 2023 e após instabilidade entre treinadores no Alvinegro. Ele recebeu a equipe da Globo em entrevista exclusiva para o Esporte Espetacular, antes do jogo contra o Internacional.


Seu perfil voltado para a formação de jogadores da base, com mentalidade vencedora e que exige excelência dos atletas o colocou na lista do dono da SAF do Botafogo, John Textor, como um candidato a assumir o posto de treinador.


Assista a entrevista abaixo:



Aos 52 anos, Artur vive o maior desafio da carreira, longe do lugar que foi criado, que tem um laço forte profissionalmente, e deixando por trás uma parte significativa da família que o move. Ainda assim, sabia que precisava dessa experiência, no clube que hoje lidera o Brasileirão, para sair da zona de conforto.


- Eu tinha que trazer ideias muito bem definidas para aquilo que era o meu projeto no Botafogo, do que conversamos sobre minha utilidade para acrescentar valor e colocar a minha própria identidade. Foi processo muito rápido e tive um trabalho muito exaustivo para conhecer em profundidade todo meu elenco. Isso para que conseguíssemos potencializar todos os atletas em cima de uma ideia de jogo.

- Isso tudo vindo de um momento em que não tínhamos feito um Campeonato Estadual brilhante para à exigência do Botafogo, estávamos prestes a iniciar o Brasileirão, e de resultados desfavoráveis na Libertadores. Precisávamos reagir com ideias muito claras e de fácil absorção e termos jogadores capazes, e eles são excepcionais. Mais do que bons atletas, temos grandes homens. De fato, um elenco de muita qualidade e um staff que dedica sua vida ao Botafogo.


No fim de março, o português teve menos de uma semana entre a conversa com Textor até estar no Brasil para comandar o time. Junto com a sua comissão técnica, ele se debruçou em conhecer o passado recente em estatísticas dos jogadores e conversou com pessoas do clube para entender o perfil de cada um do elenco.

- Com poucos dias de contato, tive conversas individuais e de grupo. Pudemos tentar ser direcionados para saber que tipos de pessoas tínhamos a nossa frente. E elas precisavam de confiança, crença e, acima de tudo, muita ambição.


Fantasma de 2023



Nas entrevistas, Artur sempre optou por não falar do que aconteceu em 2023, quando o Botafogo perdeu o título do Brasileirão de forma inédita. Mas na entrevista ao ge, depois de estar quase quatro meses no comando do time, ele confirmou que haviam "fantasmas" e reflexos internos por tudo que aconteceu.

Ele diz ter cuidado para analisar somente o próprio trabalho, mas que foi algo que repercutiu mundialmente. Sem poder deletar o passado, ele conta que encontrou no discurso a forma para amenizar o sofrimento do que não poderia ser alterado.


- Isso é um fator que houve, até uma altura, se podia controlar, mas depois que termina o campeonato não se pode controlar mais. É um passado que não se altera mais. E eu quis passar a mensagem de não olharmos para atrás, mas não desconhecer o que aconteceu e dar mais foco na história que podemos escrever daqui pra frente.


- Que podemos fazer coisas boas. Estar nas decisões, dar alegrias a nossa torcida, nos sentirmos valorizados no nosso trabalho em função do que poderíamos fazer do dia zero para a frente. Para trás, nada mais a alterar, e isso é fácil de fazer, mais ainda de falar, mas precisava ter formas de materializar. E como faríamos isso? Ganhando jogos. E tivemos dois jogos que perdemos logo, mas fomos sentindo que estava em um caminho bom. É importante saber como conseguimos esse resultados - completou.

            Artur Jorge abraça Tiquinho após vitória com gol sobre o Palmeiras — Foto: Vitor Silva / Botafogo



Primeira "cara" do Artur Jorge no time


Artur chegou com a fama de treinador ofensivo, enquanto o Botafogo tinha problemas na defesa. A primeira escalação dele surpreendeu, com a escolha de quatro atacantes de origem. O objetivo era vencer a LDU, na altitude de Quito, no Equador, para recolocar o time no caminho da classificação na Libertadores.

O que não deu certo, já que o time perdeu mais uma. Luiz Henrique, Jeffinho, Júnior Santos e Tiquinho, juntos, não pareciam ter assimilado inicialmente a ideia do treinador - ou não tiveram tempo para tal.

E ela foi repetida no jogos seguintes, comprovando a coragem, mesmo em meio às adversidades, que o treinador diz e a convicção do que pensava inicialmente para o time.

- Precisávamos chegar e conseguir transmitir esses valores importantes, e que eu senti é que eles queriam também. Valores que mostram coragem, capacidade, ambição e saber vamos ter momentos menos bons, mas seguir no que acreditamos, que podemos ser cada dia melhores.


Senti, mesmo quando perdemos os dois primeiros jogos, que estávamos construindo algo para nos encaminhar para bons caminhos. Temos tido desempenho e performance muito boa
— Artur Jorge, treinador do Botafogo


Inspiração em Klopp e Cruijff

Artur veio para o Rio de Janeiro sabendo que o Brasil é uma "máquina de moer técnicos". Segundo ele, os treinadores têm pouca ou nenhuma estabilidade para trabalhar, já que a longevidade dos trabalhos está pautada nos resultados.


Aqui, ele veio seguro de que teria tempo para desempenhar sua ideia, e ela foi formada a partir de toda bagagem que teve como jogador profissional, além de duas grandes inspirações na profissão fora de campo: o holandês Johan Cruijff e o alemão Jürgen Klopp.

- Eu posso aqui destacar dois, com alguma identidade que eu, no jogo, fui buscar. Um deles é o Johan Cruijff, pelo seu conceito de futebol total, futebol moderno, atrativo, dinâmico, em que o caos ofensivo está muito presente, e o Klopp - e pela verticalidade do jogo, com jogadores rápidos, procurando sempre o gol. Tenho essas duas referências que me ajudaram a criar o meu próprio conceito de jogo e contextualizar.

- São duas referências, uma atemporal em relação à marca que já está registrada, e Klopp pelo sucesso enquanto técnico de uma equipe, que aprecio muito. E estamos vendo o Botafogo com muitas dessas semelhanças e estou desvendando um pouquinho do que é olhar ao Botafogo com algumas inspirações.


Veja outras falas de Artur Jorge:

Instabilidade para treinadores no Brasil

- Lidar com resultado é sempre muito complicado e todos nós conseguimos ser capazes de ter sucesso com estrutura séria e de dimensão para atingir o sucesso. Confesso que a primeira imagem que tinha enquanto espectador não era a melhor sobre o futebol brasileiro, justamente pela continuidade massiva de trocas de treinadores. Muitos em cima de um ou dois resultados e isso não mostra estabilidade do projeto e é uma tremenda prova de falta de confiança.

- Tive a certeza de que, sempre com a questão do resultado como fator determinante, mas vim muito seguro do projeto que abracei. Sempre que conversei com Textor foi no sentido de olhar como sendo um projeto, que tem que ter um princípio, um meio e fim. Nas conversas foi sempre posto que resultados poderiam implicar fragilidade, mas estávamos em busca de grande ambição, seriedade, de confiança, de demonstração de saber o que estamos fazendo. É muito importante uma estrutura para ter sucesso, precisamos disso por trás de nós. Precisamos de estabilidade emocional, sabendo de que por vezes há contratempos, contextos, momentos.

O que deu segurança para deixar Portugal?

- A paixão de poder vir para um projeto que me agradou desde a primeira conversa. Estava em uma zona de conforto muito boa, desde sub-15 do Braga e me levaram a subir gradualmente os patamares para chegar ao mais alto nível. E quanto mais eu ia subindo, mais perto ficava da minha saída.

- Não há treinador eternos, pouco de grande longevidade. E eu sabia que tinha chegado meu momento de sair. Fizemos campanhas muito boas, fase de grupos da Liga dos Campeões. Batemos todos os recordes, gols marcados, pontos conquistados, números de vitórias e estava deixando uma marca. E quando tive a oportunidade, não hesitei.

- O Botafogo era um clube que eu ouvia falar, da grandeza, e uma estabilidade muito importante para mim porque vivo disso também. E estou muito bem aqui, me senti muito recebido. Não me canso de elogiar o grupo e me senti útil, que viria para acrescentar alguma coisa. Vim para dar a minha vida por esse projeto.

Como está sendo morar no Rio?

- Parte mais difícil (estar longe da família). Nós somos uma família muito unida, todos com ligação ao futebol. Meu filho é jogador profissional, meu genro também e todos jogavam no mais alto nível em Portugal. Estávamos todos muito próximos. Hoje as coisas não são bem assim, todos nos afastamos muito, que é a lei da vida. É, seguramente, a parte mais difícil para mim.

- Estou aqui só com a minha esposa desde o primeiro dia. Ela pegou esse projeto como se fosse dela, largou os seus, para embarcar nessa aventura. Tem um simbolismo por ser a primeira vez e para não esquecermos, então estamos fazendo essas jornadas a dois. Saudade imensa dos filhos, pais, netos, mas tentamos compensar da melhor forma possível, com comunicação diária. Estamos aqui para fazer as coisas bem feitas para deixá-los orgulhos da nossa trajetória.

Como era Artur Jorge como jogador

                       Artur Jorge (pai) com seu filho na época de jogador do Braga — Foto: Reprodução


- Era um zagueiro determinado, enquanto atleta tinha essa característica. Nunca fui o melhor jogador da equipe, mas sempre o que mais lutava, com grande entrega e disponibilidade. É uma característica que eu prezo muito para atingir metas. Era um zagueiro muito fiel ao que sou hoje, determinado, sério, comprometido, dedicado também, e com uma grande paixão naquilo que fazia.


Maradona como maior ídolo e viagens para vê-lo jogar na Europa

  Maradona com a antiga Copa da Uefa, atual Liga Europa conquistada em 1989 pelo Napoli — Foto: Getty Images


- Todos temos ídolos e meu ídolo no futebol era o Maradona. E fiz algumas viagens pela Europa para ter a oportunidade de vê-lo quando jogou na Itália. Ele jogou contra o Sporting Lisboa em Portugal e eu tinha por volta de 16 anos. Eu e meu amigo da infância fizemos a viagem quando fugidos de casa, sem nada, sem um pouco mais do que vontade de entrar no estádio e ver o jogo.

- Eram outros tempos, as coisas tinham sabor diferente. Maradona sempre foi minha referência e meu ídolo. Como jogava, sua parte irreverente, sua parte problemática me atraia também. Eu não sou de coisas muito certinhas, gosto de dinâmica.

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