Nova Liga do Brasil de Futebol: Falta de União dos Clubes e por não haver "Ninguém para quem entregar o cheque" dificultam criação de LIGA diz Executivo da XP Guilherme Ávila


A liga que os clubes pretendem formar no Brasil ainda não saiu do papel. E pode demorar. O motivo? A falta de unidade entre os próprios clubes, o que dificulta até mesmo o recebimento de propostas mais sólidas. Há, entre os possíveis participantes da liga, grupos com anseios e visões diferentes, especialmente no que diz respeito à divisão de verbas. Isso torna inviável, por exemplo, formatar um documento claro para os investidores com os requisitos exigidos pelos clubes para considerar uma proposta.

Quem explica a situação é Guilherme Ávila, que comanda o recém-criado time de esporte da XP Investimentos, responsável pela venda das Sociedades Anônimas de Futebol (SAF) de Cruzeiro e Botafogo. Em entrevista ao ge, o executivo afirma que não é possível "inventar uma jabuticaba" quando aponta como caminho a seguir os modelos de divisão de cotas de algumas das principais ligas europeias - 50% da verba dividida igualmente, 25% de acordo com performance, e 25% proporcionais à audiência.


Mas a principal questão, para Ávila, antes de se discutir o valor do cheque, e como seria dividido o montante que ainda não chegou, é estabelecer uma unidade entre os clubes. Hoje, não há um interlocutor único, não há uma pessoa ou uma comissão específica para receber uma proposta. E isso, além de desvalorizar o produto sinalizando risco para o investidor, dificulta até mesmo a formatação do negócio para quem quer colocar dinheiro na liga. O ge consultou um investidor de peso no mercado e a resposta foi idêntica: não se sabe quais parâmetros para uma proposta, nem a quem entregá-la.

- Antes de discutir o tamanho do cheque, precisa dar protagonismo aos clubes para entender o que eles querem de governança, estrutura... E a partir disso fazer um produto que vai ser colocado no mercado, seja para venda de participação ou transmissão, patrocínio... Isso tudo deveria estar sendo regulado por uma governança que os clubes deveriam estabelecer, os clubes deveriam se organizar para escutar as propostas. Qualquer que seja o interlocutor do outro lado da mesa, os clubes deveriam ter uma uniformidade. A gente tem sido bem vocal nos clubes dos quais estamos próximos. O que a gente fala para os clubes é: tem muita coisa acontecendo, tem muita gente interessada. Se organizem, falem com uma empresa... - explicou Ávila.


Possível parceria com La Liga

A XP conversa com a La Liga, a liga espanhola de futebol, para ser parceira em uma eventual proposta. Neste caso, o papel da gigante europeia seria aportar tecnologia e protocolos de operação e negociação para tornar a liga um negócio estável e viável a longo e médio prazo. Contudo, a concretização de uma proposta depende de consenso entre os clubes brasileiros em relação ao que desejam para a liga.

- Se os clubes estiverem organizados para escutar esse projeto, a gente está muito próximo de levar algo estrutural para eles. Depende de uma série de coisas. Hoje não existe uma interlocução. Não tem para quem entregar o cheque.

Entenda o que aconteceu com a Liga até o momento

Em 15 de junho de 2021, na esteira do afastamento de Rogério Caboclo da presidência da CBF, os clubes da Série A marcharam até a sede da entidade e entregaram um documento no qual afirmavam que criariam uma Liga para organizar o Campeonato Brasileiro. Depois de alguns encontros com empresas, dos quais participaram quase todos os clubes das Séries A e B, surgiram divergências ente dirigentes. Com a situação conflagrada, as conversas se dispersaram – e passaram a ocorrer em grupos menores.

Hoje existem algumas possibilidades: a empresa Codajás Sports Kapital, liderada pelo advogado Flávio Zveiter e com apoio do banco BTG, apresentou uma proposta; outra veio do consórcio formado por Live Mode e 1190. O banco de investimentos da XP conversa com a La Liga, que entraria com experiência, estrutura e tecnologia, e também busca investidores.


Essa negociação para criação da Liga, pelo que se ouve nos bastidores, está para acontecer a qualquer momento. O que você pode explicar sobre a situação?


Guilherme Ávila: - A gente entrou pelo advento da SAF, uma oportunidade de entrar de uma forma mais estrutural. Estamos vendo agora outros bancos de investimento se movimentando para entrar nessas vendas de clubes. O pionerismo da XP casa com o que é a empresa, antecipar movimentos no mercado financeiro e este é mais um. Com a consolidação da SAF se percebeu que tinha um arcabouço mais seguro (para a Liga). Tinha o Zveiter, a Live Mode, outros projetos acontecendo... A gente entendeu que tinha uma pré-disposição dos clubes de ouvir sobre como poderiam se beneficiar a partir disso. É necessário os clubes entenderem as oportunidades de médio e longo prazo. E a gente entende que a Liga traz uma estabilidade para o futebol brasileiro, atrai capital, vende direitos de transmissão, garante aos planos de negócios das SAFs um ambiente mais seguro.

- Os projetos estavam muito focados em qual é o tamanho do cheque para incentivar os clubes a fazer esse movimento. E, falando com investidores, que já investiram em ligas ao redor do mundo, antes de a gente discutir o tamanho do cheque, precisa dar protagonismo aos clubes e eles entenderem o que eles querem. Em termos de governança, estrutura, e a partir disso fazer um produto que vai ser colocado no mercado - seja para venda de participação ou transmissão e patrocínio...

- Isso tudo deveria estar sendo regulado por uma governança que os clubes antes de sair ao mercado deveriam estabelecer. E esse é o nosso diagnóstico, antes de mais nada, os clubes deveriam se estruturar para receber as propostas. Qualquer que seja o interlocutor do outro lado da mesa, os clubes deveriam ter uma uniformidade. A gente tem sido bem vocal nos clubes em que estamos próximos. O que a gente falar para os clubes é: tem muita coisa acontecendo, tem muita gente interessada. se organizem, falem com uma empresa...


E como se organiza?


- Traz todo mundo para o mesmo lado da mesa, traz um interlocutor único, uma empresa especializada. Poderia ser a XP, mas a XP não quer ter esse papel de assessor financeiro dos clubes, não é esse nosso papel. Gostaríamos simplesmente de ter a oportunidade de levar um projeto onde o futebol brasileiro e os clubes são protagonistas e, a partir disso, maximizar o valor do produto.

Qual é a maior dificuldade que você vem percebendo nessas conversas com os clubes? E quão longe você vê esse momento de consenso?


- A quantidade de projetos interessados obriga os clubes a se movimentarem de alguma forma. A gente vê que estão tentando se organizar. Ainda assim, existem interesses distintos na mesa. Os grupos precisam conversar. Por enquanto é o desencontro de informações sobre os projetos existentes e como solucionam a parte mais estrutural do negócio que é a Liga. A gente quer ajudar na estrutura dos negócios. O desencontro de informação tem sido um limitador. A gente vê que tais clubes estão com o Zveiter, outros clubes querem a do outro, isso não ajuda o processo. Para mim é o principal limitador, o desencontro de informações e a quantidade de interlocutores falando com os clubes sobre diversos projetos. Isso não ajuda a potencializar o real valor dessa Liga no contexto de interesse de investidores globais.

Tem algum interlocutor fixo dos clubes, mesmo dos grupos?


- Tem projetos que tem algumas lideranças, mas elas não conversam entre si. Se os clubes estiverem organizados, a gente tem um projeto vencedor. Com investidores do mundo inteiro.


A XP está alinhada com alguma proposta ou projeto, ou são um corpo alheio a essas propostas se posicionando como alguém para ajudar com a expertise de negociação?


- Se eles estiverem organizados como negócio, a gente tem um projeto vencedor com investidores do mundo inteiro. Esse deveria ser o foco dos clubes. A gente tem incentivado os clubes a conversar e criar uma interlocução única para buscar esse negócio. Esse tem sido o nosso papel, não estamos atrelados a nenhum projeto. As propostas existentes tentam agradar um grupo e aí trazer mais interessados.


Existem conversas da XP com a La Liga para que sejam parceiros dessa operação. Como está isso?


- O que a gente acha, acredita, é que ao trazer um player externo, seja a La Liga, MLS, Premier League, que consiga organizar a parte organizacional, de estrutura, isso antecipa algumas etapas que a gente vai precisar superar. Independente de ser La Liga ou outra, o processo agilizaria de uma forma mais organizada qual é o potencial e como isso para de pé.

Então no caso da La Liga a ideia não é que entre com um aporte de dinheiro, mas para estruturar?


- Qualquer que seja o parceiro operador do negócio, a principal contribuicao deveria ser na parte operacional. Trazer a tecnologia aos clubes para buscar um investidor. Esse é o foco de qualquer operador desse negócio. E aí, obviamente, qualquer um desses players que traga essa tecnologia, deveria ser remunerado por trazer essa tecnologia, mas não ser um investidor ou ter uma participação no negócio. Existem inúmeras formas de remunerar isso. Pode plugar, por exemplo, a Liga do Brasil na capilaridade de distribuição internacional desse negócio.

A XP tem uma estimativa de quanto pode valer a Liga de clubes do Brasil?


- A gente não tem um valor de quanto pode valer a Liga. Mas a gente acredita que pode estar entre as maiores do mundo. Pode ser top 3 do mundo. Tem apetite de investidores no mundo inteiro, e já escutamos de investidores que esse pode ser o maior projeto relacionado a esportes no mundo hoje. Então os clubes não precisam tomar nenhum tipo de decisão precipitada.

E quanto tempo você acredita que levará para esse projeto sair do papel diante da situação atual?


- Eu prefiro não estipular um cronograma. O que estamos falando para os clubes é que não precisa tomar decisão no curto prazo. Tem de ser uma decisão pautada em um projeto que consiga maximizar seu valor no futuro. As coisas são muito dinâmicas. A gente acreditava que era um programa muito distante. Agora estamos vendo uma operação mais estrutural para acontecer alguma coisa. A gentão não está ao lado dos clubes para escutar propostas, só estamos falando: "Gente, esperem, se organizem, porque independente de ser a XP ou outro interessado, vai ter muito mais valor se estiverem totalmente alinhados e entregando um produto para o mercado que será melhor precificado se estiver bem organizado".

A principal dificuldade sempre foi a divisão de cotas de transmissão e patrocínio. Como enxerga essa questão?


- Os clubes sentarem para ter uma proposta de divisão antes ajuda a mostrar a seriedade do projeto. Não tem muita ciência em relação a isso. Há modelos que são vencedores em outros lugares do mundo e deveriam ser replicados no Brasil. Os direitos são divididos de forma igual tanto na Premier League quanto na La Liga: 50% divididos igualmente entre todos, 25% por performance e 25% com uma métrica de audiência. E essa deveria ser a fórmula para a qual deveríamos olhar. A principal dor de alguns clubes é que vai sentar na mesa com clubes que são mais relevantes e vão ser amassados pela dinâmica atual que vigora no futebol brasileiro.

Mas você vê hoje a possibilidade de um Flamengo, um Palmeiras, um Corinthians, aceitando receber a mesma coisa? Há algum plano para ultrapassar esse obstáculo?


- A gente vê uma boa vontade de algum clubes para entender que isso é um caminho natural, a liga é estrutural, é o que vai garantir a perenidade do futebol brasileiro. Quando você começa de fato a entender o potencial disso, e o que a gente está vivenciando na SAF vai ajudar a ter mais clareza em relação a isso, a gente tende a ter cada vez mais aderência. Com o investidor do outro lado da mesa, a conversa fica mais voltada para o número, para o projeto, para o plano de negócio. Existe uma boa vontade de entender que esse projeto pode ser muito maior.

- O interesse do investidor está aí, um mercado extremamente atrativo, capacidade enorme de formação de talentos, o investidor pensa: "Eu não vou ter muito oportunidade de comprar um Cruzeiro, um Vasco, um Botafogo, então deixa eu olhar esse mercado porque se pegar em uma segunda onda já será com condições muito mais punitivas ao investidor".

Há algo concreto já neste momento para apresentar? Esse projeto está perto de ser consolidado?


- Se os clubes estiverem organizados para escutar esse projeto, a gente está muito próximo de levar algo estrutural para eles.

Essa questão da La Liga você pode confirmar? O projeto é com eles mesmo?


- Depende de uma série de coisas. Hoje não existe uma interlocução. Não tem para quem entregar o cheque. Esse é o grande problema. A partir do momento que tenhamos essa uniformidade para mostrar o projeto, acho que a gente consegue movimentar muito rápido. O que precisa hoje é mostrar que em benefício do futebol brasileiro os clubes precisam se organizar. A proposta pode ser do Zveiter, da Live Mode, o que estamos envolvidos, enfim, os clubes simplesmente precisam se organizar e a gente não vê isso.

- Os clubes deveriam fazer um pedido de proposta: "Vocês tem até o dia 'X' para me entregar um projeto até o dia tal. Proposta de estrutura de divisão de direitos de transmissão internacional, proposta de estrutura de divisão de direitos de transmissão local, proposta de operação do campeonato...". Quando tiver isso fica muito mais claro e muito mais fácil de os clubes avaliarem os projetos e quão maduros estão os projetos. Não é só colocar o dinheiro nos cofres dos clubes para resolver o orçamento de 2022 e 2023, a visão deveria ser a médio e longo prazo.

Como você vê o papel da CBF nesse cenário?


- Isso vai num ponto da governança da instituição que está à frente desse negócio. A CBF tem capacidade operacional de fazer um campeonato de futebol, negociar com TV, transmissão, entidades, empresas que patrocinam eventos... Mas quando você. quando um investidor quer se envolver nesse tipo de projeto, quer entender a governança por trás de quem está organizando esse negócio. A gente viu em outros mercados que as federações têm um papel importantíssmo, porém o protagonismo comercial acaba ficando com as criadoras das ligas em si.

É possível investir num clube que não seja SAF? Ter a perspectiva de médio e longo prazo, já que a governança do seu sócio muda com uma eleição?


- O negócio da SAF vira exponencialmente maior. A gente já está envolvido nas SAFs e vai ter uma aderência cada vez maior nesse negócio. A Liga traz oportunidades de negócio não só para mais SAFs,mas com o que vai derivar desse negócio. Tendo mais clubes como SAF, com a interlocução como dono, você catalisa a liga de uma maneira mais rápida. Mas, se fizer primeiro a Liga e tiver poucas SAFs, não tem como analisar se vai ter mais gente se transformando em SAF.

O Ronaldo participa de alguma forma desse projeto?


- Ronaldo se interessou pelo projeto do Cruzeiro mesmo depois que o Valladolid caiu. Ronaldo é um interessado no desenvolvimento do futebol brasileiro, por ser o investidor de uma SAF. Ele também deveria estar aberto a todo e qualquer projeto que estiver disposto a mudar e melhorar o futebol brasileiro. Ele é uma parte interessada.


E a XP tem conhecimento de outros clubes caminhando para se tornarem SAFs em um futuro próximo?


- Pelo menos uns seis ou sete clubes já estão se estruturando para analisar o passo a passo do que é se tornar uma SAF.

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